domingo, 13 de março de 2011

A próxima crise financeira

BARRY EICHENGREEN - A próxima crise financeira 

Quando trabalhei no Fundo Monetário Internacional nos anos 90, um dos membros da equipe administrativa tinha o hábito de carregar no bolso do casaco uma lista de países que mais provavelmente experimentariam problemas financeiros graves. Isso não o capacitou, nem ao Fundo, aliás, para prever a crise financeira asiática. Mas, mesmo assim, a prática era uma forma útil de autodisciplina. Era uma maneira de meu colega se lembrar de ficar permanentemente atento aos riscos. 

Estará despontando uma nova crise financeira? Se é verdade, quando ela virá? O que poderá acioná-la? E quais países estão sob maior risco? Os especuladores financeiros inescrupulosos instintivamente olham para as condições específicas dos países quando tentam responder a perguntas como essas. 

O risco de crise é maior, eles observam, em países onde grandes aportes de capital alimentam o crescimento do crédito e originam bolhas nos mercados acionários. Ele é maior em países nos quais as taxas de câmbio se tornam sobrevalorizadas, augurando problemas de competitividade e desaceleração do crescimento econômico. 

Mas a história sugere também que o timing das crises depende de mudanças nas taxas de juros nos centros financeiros internacionais. 

Assim será provavelmente desta vez. Mais cedo ou mais tarde, as autoridades permitirão que as taxas de juros nos Estados Unidos, Europa e Japão subam de seus níveis atuais excepcionalmente baixos. E aumentos nas taxas de juros nos Estados Unidos, Europa e Japão dificultarão para os bancos em mercados emergentes expandirem seus balanços. 

Taxas mais altas nos principais centros financeiros internacionais tornarão mais difícil para esses bancos captarem recursos no exterior para financiar o aumento dos empréstimos. Taxas de juros mais altas nesses centros significarão fluxos muito menores de investimentos estrangeiros para mercados emergentes de ações e bônus. 

Então o recente sinal do Banco Central Europeu (BCE) de que ele está se preparando para aumentar as taxas de juros será um indício de problemas iminentes? Minha resposta é não. O elefante na sala não é o BCE, mas o Federal Reserve (Fed, o banco central americano). O dólar, não o euro, é a moeda financiadora dos bancos internacionalmente ativos. O gatilho da próxima crise será, portanto, a decisão do Fed de elevar as taxas. 

Nesse ponto, os fluxos de capitais para mercados emergentes se inverterão. Os bancos nos países previamente no lado recebedor desses fluxos terão de contrair seus balanços. Haverá um aperto de crédito. Haverá problemas de liquidez, e talvez ainda piores, para instituições financeiras. Se os mercados emergentes estiverem despreparados, poderá haver uma crise financeira. 

A boa nova, nessas circunstâncias, é que o Fed provavelmente não vai endurecer antes de 2012. Com o desemprego ainda em 9% nos Estados Unidos, não há nenhum sinal de aumentos nos preços dos alimentos e dos combustíveis resultarem em aumentos salariais. E, na falta de custos mais altos da mão de obra, a espiral preço-salário não está no horizonte. 

Mas, se a economia americana continuar melhorando e o desemprego cair, a inflação poderá se tornar um problema para o Fed em 2012. Em outras palavras, os mercados emergentes talvez tenham mais um ano para se preparar. 

E como andam esses preparativos? As autoridades financeiras do Brasil mostram sinais de ter instintos corretos e estão começando a dar passos na direção certa. O Banco Central (BC) brasileiro endureceu os requisitos de reservas e capital para impedir que os bancos continuem expandindo seus balanços. Ele espera que isso impeça esses bancos de terem de contrair violentamente o crédito quando vier o aumento das taxas de juro americanas. Corretamente, o BC brasileiro também elevou a taxa básica de juros (Selic) para impedir que as taxas de juros reais caiam com o aquecimento da inflação - taxas de juro excessivamente baixas são uma receita para empréstimos imprudentes. 

É tranquilizador que o crescimento do crédito tenha se desacelerado significativamente em janeiro em consequência dessas medidas. Mas são igualmente preocupantes as projeções de alguns analistas de que está havendo um novo crescimento do crédito, de até 20% em 2011. Ninguém questionaria que o Brasil precisa desenvolver seus mercados de crédito. Mas assim, de imediato? Se essas projeções de 20% de crescimento do crédito mostrarem sinais de se confirmar, o BC deveria fazer mais. 

É preocupante também a força do real, que cria problemas para os exportadores. A melhor maneira de tratar desse assunto é endurecer a política fiscal e, com isso, reduzir a pressão da demanda. Menos demanda doméstica significará menos gastos em bens locais e menos pressão para a elevação do real. Aqui, o novo governo de Dilma Rousseff enviou os sinais certos. Ele anunciou planos para reduzir o déficit orçamentário cortando gastos com defesa, educação, subsídios à habitação e à agricultura, e repasses ao BNDES. Mas, apesar de o Banco Central já ter agido, as autoridades fiscais ainda não o fizeram. 

Outros grandes mercados emergentes estão tomando medidas preventivas também. A China freou os empréstimos bancários. O país está tentando conter o boom imobiliário. Além de endurecer os padrões de empréstimos e tomar outras medidas para desestimular a especulação imobiliária, o governo chinês prometeu recentemente construir 36 milhões de moradias populares nos próximos cinco anos, algo que ajudaria a conter os preços da habitação. 

Mas a China também tem o problema adicional de que, diferentemente do Brasil, ela importa cerca de 40% de seu consumo de petróleo. Os brasileiros devem agradecer, portanto, à dádiva das áreas petrolíferas Tupi e Carioca, em outras palavras, e aos esforços de governos brasileiros anteriores para reduzir a dependência do país de energia importada. 

A China, ao contrário, ainda depende pesadamente de energia importada. 

Isso significa que, diferentemente do Brasil, ela corre o risco de uma tempestade perfeita - desaceleração do crescimento com forte alta dos preços do petróleo por causa da agitação no Oriente Médio, e endurecimento do Fed, tudo ao mesmo tempo. 

A história recente nos lembra de que não devemos subestimar a capacidade da China de manter um forte crescimento, mas existe também um cenário em que o crescimento do país se desacelera rapidamente, criando problemas para ele e também, possivelmente, para seus parceiros comerciais. 

Mas o país mais ameaçado do Bric não é China ou o Brasil, mas a Índia. Diferentemente do Banco do Povo da China e do Banco Central brasileiro, o Banco Central da Índia está aquém das necessidades. As taxas de juros na Índia estão mais baixas que a inflação. Um déficit orçamentário muito grande, da ordem de 10% do Produto Interno Bruto, agrava o problema do excesso de demanda. A dependência da população pobre da Índia de comida e combustível significa que o governo ficará sob pressão para subsidiar o consumo desses produtos essenciais, dificultando ainda mais o progresso na consolidação fiscal. E a Índia importa 70% de suas necessidades de petróleo, o que a expõe ainda mais que a China ao risco Oriente Médio. 

Paul Samuelson, o economista laureado com o Prêmio Nobel e pai da economia financeira, disse certa vez que o mercado acionário havia previsto com sucesso nove das últimas cinco recessões. Os especuladores financeiros inescrupulosos também previram nove das últimas cinco crises financeiras. Mas justo porque erramos antes não torna menos importante repetirmos essas advertências agora. Devemos carregar uma lista das vítimas potenciais em nossos bolsos e atualizá-la regularmente. / TRADUÇÃO DE CELSO M. PACIORNIK 

PROFESSOR DE ECONOMIA E CIÊNCIAS POLÍTICAS NA UNIVERSIDADE DA CALIFÓRNIA, EM BERKELEY

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Suprema Corte dos interesses de quem?

Nova regra do STF apaga na internet o nome dos réus, com a pretensa desculpa de preservar sua honra. Os processos, mesmo os que não se encontram em segredo de justiça, terão o nome dos réus abreviados por suas iniciais. O pior é que tal decisão não é regra, é um ato discricionário, a decisão de divulgar ou não o nome dos réus caberá à decisão de cada magistrado. Uma decisão como essa é ética? Quais interesses estarão em jogo? A população não tem direito de saber quem são aqueles, ligados ao poder, que apresentam desvio de conduta? 


A seguir um artigo de José Roberto de Toledo publicado no Estado de São Paulo em 27/12/2010


CAIXA-PRETA DO STF

Há uma traça roendo o cabeçalho virtual dos processos no Supremo Tribunal Federal. Ela é seletiva: apaga na internet apenas o nome dos réus, e troca pelas iniciais. Graças ao repórter Felipe Recondo, do Estado, sabemos que políticos sub judice foram ajudados pelo "bug".
O "J B J R" denunciado em inquérito por estelionato e formação de quadrilha é o senador João Ribeiro (PR-TO). E o "A R R G D A S" que pediu habeas corpus para sair da prisão preventiva é o prefeito de Macapá, Roberto Góes (PDT).
Mas quais os nomes de "U A P", funcionário público processado por crime contra a administração, ou do senador "J B P P", acusado de usar documento falso? Quem é o prefeito cearense "E R", réu por crime de responsabilidade? Só privilegiados podem saber.
Não são exceções nem casos secretos. Trata-se de uma nova regra do STF, defendida por seu presidente, Cezar Peluso, e que deve ser aplicada inclusive aos processos não protegidos por segredo de Justiça. O motivo? Preservar a honra dos réus.
Seria bonito, se não fosse obscurantista e discriminatório. Pela lógica de Peluso, uns poucos iluminados têm o discernimento necessário e, portanto, o direito de ter acesso a informações públicas. Os ignaros, que formamos o resto majoritário da sociedade, não.
Nada a ver com o WikiLeaks e o vazamento de informações secretas ou confidenciais.
Trata-se, no caso do STF, da simples divulgação daquilo que é de interesse coletivo, e, em última análise, pertence à sociedade: dados públicos em poder do Estado.
Um dos maiores ganhos da incensada democracia digital é dar acesso instantâneo, para qualquer um, ao que se encontra sob tutela dos poderosos. Afinal, ter informação é o primeiro passo para o cidadão fiscalizar os feitos, bons e maus, de governantes, juízes e congressistas.
Como escreveu Louis Brandeis (1856-1941), um dos mais influentes ministros da Suprema Corte dos EUA: "A luz do sol é o melhor desinfetante." Ele criou a metáfora para defender a transparência em casos de interesse público, sempre.
A luz ou a escuridão devem valer para todos. Assim, se os poderosos podem se beneficiar do anonimato proporcionado pela caixa preta do Supremo Tribunal Federal, por que não generalizar para os cidadãos comuns acusados pela polícia, denunciados e julgados em primeira instância?
O ministro Peluso deveria estender a regra contra o que chama de "divulgação desnecessária" a todo o sistema judicial, inclusive, quem sabe, às transmissões ao vivo das sessões plenárias de sua corte pela TV Justiça. Mas parece nem sequer tê-la discutido com os colegas de tribunal.
Segundo reportagem do Estado, o ministro Marco Aurélio Mello se opõe ao uso das iniciais e disse que os nomes serão escritos na íntegra nos processos sob sua responsabilidade.
Ou seja, a regra de Peluso não é regra. Prevalece o lugar-comum "cada cabeça uma sentença". Um ministro decidirá que o nome do réu deve se tornar público, o outro não?
Como se escreveria no site do Supremo, o tribunal não pode correr o risco de virar a "C da M J".
Um cidadão polido poderia perguntar: "Não há lei para regular essa zona?" A resposta é "ainda não".
Aprovado há meses na Câmara, o projeto de lei que garante acesso às informações públicas vai entrar em 2011 dormitando nos escaninhos do Senado (nem sempre os parlamentares têm a mesma agilidade demonstrada ao aprovar o aumento dos próprios salários).
Assim, o Brasil completará mais um ano como uma das raras democracias que não regulamentaram o seu, o meu, o nosso direito de saber o que há nas gavetas e arquivos públicos. A lei dos EUA tem mais de 40 anos. A do México é uma das mais avançadas do mundo.
O projeto de lei brasileiro foi apresentado pelo governo federal, mas só depois de haver muita pressão por parte da chamada sociedade civil, principalmente através do Fórum de Acesso a Informações Públicas, que reúne organizações não governamentais como Transparência Brasil, Abraji e OAB.
Pelo que o STF já demonstrou, se a sociedade não voltar à carga, não apenas o projeto da lei de acesso vai criar teias de aranha no Senado, como há o perigo iminente de retrocesso. Iniciativas para dar à luz informações de interesse público são sempre um parto a fórceps. 

domingo, 22 de agosto de 2010

Gargalos travam competitividade brasileira

Folha de São Paulo,  20 de maio de 2010


Gargalos travam competitividade brasileira
Carga tributária e deficiências na infraestrutura deixam Brasil no 38º lugar em ranking sobre ambiente econômico que inclui 58 países
Estudo destaca a má qualidade da educação e burocracia excessiva para abrir empresas; melhoria na gestão privada é elogiada

NATÁLIA PAIVA
DA REDAÇÃO 

Gargalos institucionais (como leis defasadas e sobrecarga tributária) e de infraestrutura (logística e tecnologia) ainda travam a competitividade do Brasil no cenário internacional.
A oitava economia do mundo ocupa apenas o 38º lugar num ranking com 58 países feito pela faculdade suíça Instituto Internacional para o Desenvolvimento da Administração, em parceria no Brasil com a Fundação Dom Cabral (FDC).
O estudo, que mede o ambiente de negócios, considera dados oficiais e entrevistas com empresários.
A posição brasileira, contudo, já foi pior. Pelo terceiro ano consecutivo, o Brasil subiu no ranking. As duas posições avançadas em 2010 foram conquistadas graças à melhora na gestão das empresas e à resiliência do mercado de trabalho durante a crise.
Quesitos como flexibilidade ante novos desafios e adaptabilidade a mudanças puxaram o Brasil para uma posição menos desconfortável. O desempenho econômico, especialmente no que diz respeito à atividade doméstica, seguiu como outro ponto de relativo conforto.
As principais fraquezas, contudo, continuam na falta de eficiência do governo em todas as esferas -nesse segmento, o Brasil está entre os lanternas, em 52º- e na infraestrutura deficitária, segmento que inclui logística, tecnologia, ciência, educação, saúde e ambiente.
Leis defasadas, carga tributária alta, ausência de marcos regulatórios, burocracia excessiva para abrir empresas e firmar contratos de exportação são algumas das travas, que "seguram" a competitividade.
"Na variável sobre a facilidade de fazer negócios nos países, numa escala de 1 a 7, o Brasil está em 2,3. As empresas têm a percepção de que o Brasil é um país importante para estar, mas que requer mais cuidado e custo. No tempo para abertura de empresas, estamos entre os piores", diz Carlos Arruda, professor da Dom Cabral responsável pelos dados brasileiros.
"Esse é o pilar mais crítico, que impacta os demais, principalmente o de infraestrutura, que depende de ações do governo." Durante a entrevista, por Skype, de Arruda à Folha, a conexão foi cortada três vezes. O quesito infraestrutura tecnológica (que mede a qualidade de serviços como a banda larga ofertada no país) o Brasil ficou na 53ª posição.
Em infraestrutura como um todo, o Brasil caiu de 46º para 49º, afetado principalmente pela precariedade dos portos e das hidrovias e pelo preço dos serviços de telefonia celular.
Para Juan Quirós, vice-presidente da Fiesp e ex-presidente da Apex Brasil (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos), o estudo leva a concluir que as áreas mais sensíveis para a competitividade no Brasil são saúde e educação (40ª e 53ª posições, respectivamente) e que é preciso "modernizar" a legislação.
Exemplo desses problemas, diz, são as barreiras para investimento externo em saúde.
"Subir [no ranking] é positivo, mas temos de focar o que pode nos levar para a 30ª posição. Estamos cansados de diagnósticos. Agora, temos de agir."

Mundo afora
Pela primeira vez em décadas, os EUA saíram da primeira posição do ranking, ultrapassados pelos pequenos Cingapura e Hong Kong, que conseguiram se organizar de forma mais competitiva.
Os países europeus, fortemente afetados pela crise econômica global, foram os que mais perderam posições, abrindo espaço para economias com classe média ascendente, como Taiwan (foi do 23º lugar para o 8º) e Malásia (do 18º ao 10º).

Nada como o esporte p celebrar a vida

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MINHA HISTÓRIA
CRISTINA DE BARROS, 43

Pedalando atrás da cura
...Fui mordida pelo bicho do cicloturismo, sabia que iria viajar mais... Foi quando o exame de rotina detectou o câncer de colo do útero... Fizeram um corte de 30 cm na minha barriga, fui virada do avesso, mas deu tudo certo

Marisa Cauduro/Folhapress

A professora de educação física e ciclista Cristina de Barros na USP, onde costuma treinar

RESUMO
Há cinco anos, a professora de educação física Cristina de Barros foi operada de um câncer de colo do útero. Sete meses meses depois, retirou um ovário, por causa de um cisto hemorrágico. Para comemorar a cura, ela acaba de percorrer 2.700 km de bicicleta, unindo as capitais do Sudeste e divulgando a importância dos exames preventivos.

...Depoimento a

IARA BIDERMAN
DE SÃO PAULO

Acabei de voltar de uma viagem de bicicleta passando por todas as capitais do Sudeste brasileiro. Fiz o trajeto, de 2.700 km, sozinha, para comemorar a cura de um câncer no colo do útero, operado há cinco anos.
Eu não pedalava para valer até 2000, quando me divorciei. Depois da separação, eu estava naquela de pensar: "não sei se me caso (de novo) ou compro uma bicicleta". Naquele momento, achei melhor comprar a bicicleta.
Comecei a pedalar no meu bairro, nos parques Ibirapuera e Villa-Lobos e na USP, que é perto da minha casa. Sou professora de educação física, gosto de esporte, resolvi unir o útil ao agradável.
Conheci a trupe da bike, ouvi falar do cicloturismo e quis experimentar. Eu adoro viajar. Minha primeira viagem de bicicleta foi o Caminho do Sol, de Santana do Parnaíba a Águas de São Pedro, no Estado de São Paulo. São 250 km pedalando.
Eu amei de paixão, fui mordida pelo bicho do cicloturismo, sabia que iria viajar mais. Foi quando, no exame ginecológico de rotina, o teste de Papanicolau detectou o câncer de colo do útero.
Esse câncer é assintomático, se você não faz o exame preventivo pode ficar anos sem saber que tem a doença. A sorte é que descobri logo, peguei o bicho no laço.

VIRADA DO AVESSO
Foi em agosto de 2005, eu estava com 38 anos. Um mês depois fui para a mesa de cirurgia. Retiraram todo o útero. Eu não tenho filhos, mas não faz mal, tem tanta criança aí para ser adotada.
Na cirurgia, fizeram um corte de 30 cm na minha barriga, fui virada do avesso, mas deu tudo certo. Difícil foi a recuperação.
Fiquei um mês sem poder sair da cama e mais três meses sem fazer atividades físicas. Uma tortura para mim, que sempre fui muito ativa. Quando estava recomeçando, fazendo caminhadas leves, tive um cisto hemorrágico em um dos ovários.
Eu ia completar sete meses da primeira operação e fui para a mesa de cirurgia de novo. O ovário estava inchado, os médicos não sabiam se era decorrência do câncer.
Mesmo assim, eu não fiquei preocupada com a cirurgia. Mas a recuperação me preocupava. Foram mais quatro meses de molho.
Certos dias, eu tinha de me jogar da cama para fazer alguma coisa. Eu não queria nem acordar.
Mas acho que 90% da recuperação depende da gente, 10% da medicina. Se isso é algo comprovado, eu não sei. Mas acreditei nisso, e brigava comigo mesma para sair de casa, andar de bicicleta.
Cheguei a perguntar para a médica se tinha um comprimidinho para levantar o astral. Ela me disse que até tinha, mas que, para mim, pedalar era o melhor remédio.
Então eu ia. Pegava a bicicleta e falava "não gosto de você", mas pedalava. No final de 2006, eu já tinha retornado ao ciclismo.

CAMINHO DE SANTIAGO
No início de 2007, comecei a programar uma viagem para Santiago de Compostela, em julho. Como dava aulas para o primeiro e segundo grau, precisava ir na época das férias escolares.
E como o Caminho de Santiago é para ser feito a pé, a cavalo ou de bicicleta, eu já sabia como faria o trajeto.
Procurei uma equipe esportiva para fazer o treinamento. Eles são especializados em triatlo e eu queria fazer turismo, nada de competir. Mas treino é treino, você tem que se preparar física e psicologicamente.
Menos de dois anos depois da segunda operação, coloquei a bicicleta no avião e fui embora. Comecei a trilha na França. No quarto dia, caí e quebrei uma costela.
Mas continuei pedalando os 700 km até Compostela. Eu não tinha atravessado o oceano inteiro para voltar quatro dias depois.
Nesse tipo de viagem, fatalmente as notícias correm. Então muita gente vinha falar comigo. Você é a tal Cristina, brasileira, que quebrou a costela e teve câncer?
A pergunta clássica era: "está pagando promessa?". Não, acho que você não barganha com o Céu. Não barganhei, mas agradeço sempre, da hora em que acordo à que vou dormir.
Tudo bem, fiz a minha parte. Eu contava que tudo deu certo também porque eu peguei o câncer no começo, por fazer sempre os exames preventivos. Comecei a divulgar a importância desses exames intuitivamente, por acaso. Eu não tinha viajado para isso, estava de férias.
Mas a ideia estava surgindo. No ano seguinte, 2008, um amigo meu sugeriu um projeto: pedalar por um mês registrando histórias de superação das pessoas encontradas no caminho.
Foi bárbaro, mas ainda não era exatamente o que eu tinha pensado: falar sobre a importância dos exames preventivos.

E.T. DE CAPACETE
Tirei um ano sabático e fui fazer a Estrada Real, em Minas Gerais. Um carro de apoio me acompanhou, dirigido na primeira parte por um amigo e na segunda, por minha irmã.
Agora, imagine surgir no sertão de Minas Gerais essa figura com capacete. Eu era um verdadeiro ET. Claro que as pessoas ficavam curiosas e vinham conversar comigo. E assim que davam uma brecha, eu falava sobre prevenção, não só para câncer, mas para coração, pulmão, tudo.
Eu sou a prova viva de que vale a pena se cuidar. Não que eu queira ser a salvadora do mundo, é uma responsabilidade muito grande. Mas se chega alguém todo suado, segurando uma bicicleta, é mais fácil as pessoas ouvirem e acreditarem.

CURADA
Tenho amigos que dizem que eu sou rodada, falada e aventureira. E, em 2010, curada. A aventura deste ano precisava ser especial. Os protocolos da medicina dizem que só depois de cinco anos você pode afirmar que se curou do câncer.
Pela primeira vez, fui viajar já com palestras programadas, para falar da prevenção. Foram cinco, além de todas as conversas informais sobre o assunto.
O trajeto é o mais longo que já fiz, 2.700 km. Mais de 2.000 pedalando mesmo. Em trechos mais perigosos, peguei carona. Eu gosto de desafios, mas também sei respeitar meus limites.
Agora, pretendo escrever um livro sobre minhas viagens. E pedalar, claro.
Quero fazer o caminho de São Francisco de Assis, na Itália. E o Tour de France. Não para competir, só para completar o trajeto. Ou, quem sabe, unir de bicicleta todas as capitais do Brasil.


Fonte: Folha de São Paulo em 22/08/2010

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

A verdadeira história da internet

Para quem é fã de internet e tecnologia, os programas produzidos e apresentados pelo Discovery Channel sobre a internet são satisfação garantida. O programa foi ao ar pela primeira vez em 2008, e agora está sendo reapresentado, na programação do Discovery Theather HD. Em 4 episódios o jornalista John Heilemann, correspondente especial da revista Wired, relata histórias a respeito do surgimento e do crescimento da internet, os conflitos travados, bastidores e seus protagonistas.

A INTERNET (DOWNLOAD: THE TRUE STORY OF THE INTERNET)

http://science.discovery.com/tv/download/download.html

A Guerra dos Navegadores
Esta é a história de uma batalha épica entre a mais forte corporação dos Estados Unidos e um pequeno grupo de nerds que criou uma tecnologia revolucionária. A disputa envolveria o governo dos Estados Unidos, criaria bilhões de dólares em riquezas e mudaria a vida de todos – trata-se da guerra dos navegadores. A janela para o mundo da rede é o navegador – o simples software que permite aos usuários navegar pelo ciberespaço. Para muitos, o Internet Explorer é a opção mais óbvia, mas nem sempre esse foi o único navegador disponível. Após Sir Tim Berners-Lee ter inventado a rede, em 1991, essa corrida começou a direcionar as suas idéias para algo que tivesse um apelo popular universal. Um grupo de estudantes da Universidade de Illinois criou um navegador simples, porém atraente, chamado Mosaic. Sua ascensão meteórica aliada a uma atitude arrogante despertou o gigante adormecido do Vale do Silício – a Microsoft – desencadeando uma reação tão rápida e brutal que faria com que o governo dos Estados Unidos tivesse que intervir. Com relatos das equipes criadoras do Netscape e do Internet Explorer, John Heleimann mostra como um grupo de garotos com uma grande idéia quase desbancou a maior empresa de software do mundo.

A Pesquisa
Quando Larry Page e Sergey Brin se voltaram para os problemas da utilização de mecanismos de buscas na internet, muitos não deram atenção. Afinal, o Yahoo havia aparentemente monopolizado o mercado com seu mecanismo de busca onipresente e parecia não existir a necessidade de mudar algo que funcionava bem. Mas os dois intelectuais estavam convencidos que tinham uma maneira melhor para que as pessoas encontrassem o que estavam procurando na então confusa internet. Isso marcou o nascimento do Google, que mudaria tudo. Ao invés de buscas, as pessoas faziam “Googles”. Mas até se transformarem na gigante atual, o desenvolvimento da empresa foi recheado de idéias brilhantes, de oportunidades perdidas e de uma maneira completamente nova de pensar os negócios.

eBay e Amazon
Amazon e eBay, os dois titãs do moderno comércio eletrônico, são bem-sucedidos e também muito diferentes. Neste episódio, seus fundadores, Jeff Bezos e Pierre Omidyar, contam a história de como seus negócios cresceram do nada para o domínio da economia global e mudaram profundamente o modo de vida das pessoas. Quando Jeff Bezos apareceu pela primeira vez com a idéia do Amazon, ninguém acreditava que ela tivesse futuro. Já Pierre Omidyar concebeu o eBay como um hobby que vale hoje 45 bilhões de dólares. Por meio desses e de outros personagens, reviva o crescimento estratosférico da internet e como o mundo passou do desconhecimento total da internet para a super valorização de ações de qualquer companhia pontocom, não importando quão medíocre fosse o seu plano comercial.

O Futuro Digital
Tudo começou com o Napster, um meio para a troca de músicas concebido por um adolescente chamado Shawn Fanning, que foi considerado um marco controverso na história da internet. Para alguns, o Napster era um serviço que facilitava o roubo digital. Mas para outros, a maneira revolucionária de compartilhamento de dados do Napster celebrou a popularização do que os primeiros nerds já sabiam o tempo todo: a Web é o lugar perfeito para a colaboração e para formação de comunidades. Mas o sucesso do Napster também foi o motivo da sua queda. A maciça popularidade chamou a atenção do mundo corporativo, que viu as pessoas baixando músicas de graça e entrou com pesados processos contra o Napster e seus usuários. Mas graças a esse sistema os usuários estavam acostumados a colaborar, a comunicar e a compartilhar informações de graça por toda e rede. Embora o Napster tenha sido extinto rapidamente, as sementes haviam sido plantadas para uma nova revolução que iria finalmente liberar todo o potencial da Web, criando a Web 2.0. A partir do Digg, passando por Second Life e grandes sucessos como Wikipedia, Delicious e YouTube, John Heilemann mostra que são os usuários da Net que lhe conferem um grande poder – empresas que entendem e sabem tirar proveito disso têm sido os maiores vencedores da corrida pelo “ouro digital”.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Sobrecarga de informações?

Não sei se você padece do mesmo mal que me atinge há algum tempo. Tenho a constante sensação de que não li tudo que deveria ter lido, sejam livros, revistas, blogs ou jornais. Que não assisti a tudo que deveria ou gostaria de ter assistido, são tantos filmes, séries, programas, canais, na tv, na internet. Não ouvi ainda o som daquela banda que vem bombando no MySpace. Será que perdi algum post com informação interessante no timeline do meu Twitter? É a eterna sensação que deixei passar algo.

Algumas vezes me sinto sobrecarregado, achando que estou me cobrando demais. Em uma época em que somos assolados por uma enxurrada de informações devemos nos organizar mentalmente e buscar combater esse excesso de ansiedade. Pelo menos é o que tenho tentado fazer, além de sentir um certo saudosismo, mas que passa logo, da época em que ficávamos meses aguardando o lançamento de um novo LP, ou quando me debruçava sobre dois ou três livros em busca de conhecimento acerca de determinado assunto, ao invés de acessar 197.315 sites encontrados no Google que trazem as informações procuradas, e que em 95% da vezes é repetida.
Não estou reclamando do enorme universo de possibilidades que se abriram nessa “Era da Informação”, pelo contrário, acho muito bom e busco tirar o melhor proveito. Apenas quis compartilhar algo que tenho certeza que diversas outras pessoas também sentem e resolvi postar esse artigo de autoria do Dr. Ryon Braga, que encontrei na internet, que trata do assunto de forma muito elucidativa. Pode ser que muito do que é tratado no artigo você já saiba, mas o simples ato de ler a respeito e refletir, pode ajudar a organizar as idéias, assim como me ajudou. Bom proveito.

O Excesso de Informação - A Neurose do Século XXI
Dr. Ryon Braga
Chegou o fim de semana. Terei para ler três imensos jornais de domingo e uma pilha de revistas de marketing, de management, de publicidade, de informática, de variedades e de educação, além de todo o clipping do setor educacional, acumulado durante a semana. Trouxe para casa cinco livros novos que comprei esta semana, para se juntar às dezenas de outros livros que estão, há meses, na fila de espera para serem lidos. Passei na locadora e aluguei dois filmes imperdíveis, que todos já viram, menos eu. Além disso, pretendo colocar em dia os mais de 100 e-mails atrasados, que estão aguardando resposta. Tem ainda uma festa de aniversário da família para ir, os slides de duas palestras para preparar e um espetáculo teatral excelente que, é claro, já está nos últimos dias na cidade.
Este é um típico final de semana em minha vida, mas, tenho certeza, soa familiar à grande parte das pessoas que estão lendo este artigo. Ele faz parte dos “efeitos colaterais” da chamada Era da Informação – uma era em que a quantidade de informação disponível e acessível pegou a todos nós de surpresa. Não estávamos preparados para ela. Antes, as pessoas não sabiam que não sabiam. Agora, sabem que não sabem, e isso, num mundo competitivo e predatório, gera uma sensação de frustração e incapacidade que, aos poucos, vai se transformando em uma ansiedade cada vez maior.

A Questão da Informação Definição
Para Shanon, autor do livro “A teoria matemática da comunicação”, informação é tudo aquilo que reduz a incerteza. Partindo dessa premissa, o que vivemos hoje não poderia ser definido como a Era da Informação, uma vez que temos uma explosão de dados e fatos que, isoladamente, não têm significado e não produzem compreensão. Sem isso, não reduzem a incerteza e, portanto, passam a ser “não-informação”.

Utilidade
Se o indivíduo não consegue desenvolver mecanismos de coletar e transformar dados e fatos em informação, de nada vale ele ter acesso a miríades de fontes desses dados. Ao contrário, é possível que essa enxurrada de não-informação que ele tem acesso ou recebe diariamente, acabe dificultando ainda mais sua tarefa de transformar tudo isso, primeiro em informação útil, e depois em conhecimento aplicado.

Aplicabilidade
Outra questão pertinente quanto à utilidade da informação é a capacidade do indivíduo em dar aplicabilidade a ela. É muito comum encontrar pessoas matraqueando, de forma tecnicamente correta, um repositório de informações sobre como se faz para resolver determinada situação e, no instante seguinte, mostrarem-se totalmente ineptas para aplicar suas soluções em um contexto mais elaborado. Em uma simples analogia com a pedagogia convencional vemos que, mesmo nas escolas mais bem “sucedidas”, observa-se que a maioria dos bons estudantes (freqüência assídua, notas altas e o reconhecimento dos professores) não demonstra uma compreensão adequada dos conceitos que aprenderam na escola. Eles falham em resolver problemas que são formulados de maneira ligeiramente diferente daquela em que foram formalmente instruídos e testados.

O Excesso de Informação Quantidade
Ninguém duvida dos benefícios que a tecnologia da informação tem proporcionado a todos. Acessar, em tempo real, informações sobre quase tudo que existe no mundo e poder estabelecer contato direto com as fontes de informações, representa uma drástica mudança de paradigma na sociedade humana. Por outro lado, o maior acesso à informação tornou visível a parte “submersa do iceberg” – há informação demais e tempo de menos.
O excesso de informação pode ser percebido através da grandiosidade dos números que os fatos nos mostram:
- Mais de 1.000 novos títulos de livros são editados por dia em todo o mundo;
- - Uma só edição do jornal americano The New York Times contém mais informações do que uma pessoa comum recebia durante toda a sua vida há 300 anos (Revista Veja de 05 de setembro de 2001);
- - Atualmente existem mais de três bilhões de páginas disponíveis na Internet;
- - Estão em circulação mais de 100 mil revistas científicas no planeta;
- - Há 15 anos a Televisão brasileira tinha menos de 10 canais. Hoje tem mais de 100 e, daqui a 10 anos, estima-se, terá mais do 400 canais.

Acesso
Para que possamos entender melhor a questão do excesso de informação vamos verificar um exemplo prático e real. Se um estudante universitário que sabe ler apenas em português e inglês, resolve realizar uma pesquisa aprofundada sobre o tema crianças hiperativas, irá deparar-se com a seguinte quantidade de informações:
- 178.820 páginas na Internet (até 30 de julho de 2003);
- - 6.884 artigos científicos publicados nas revistas da área da saúde nos últimos 12 anos;- 4.748 artigos científicos publicados em revistas da área de educação nos últimos 10 anos;
- - 1.387 artigos e matérias de jornais e revistas informativas (só em português), publicados nos últimos cinco anos; - 557 livros (sendo 32 em português e o restante em inglês).
Mediante estes números, não é preciso muito esforço para perceber que, se o estudante não estiver preparado para o trato com a informação, tenderá a ficar extremamente ansioso, sem saber por onde começar seu trabalho.

Armazenamento
O armazenamento da informação também contribui para o problema da ansiedade. Para a editora da revista eletrônica Mundo Digital, Maria Ercília, está acontecendo uma inversão de paradigma no nosso relacionamento com a informação. “Nossa capacidade de produzi-la era contida e disciplinada pela dificuldade e pelo custo de publicação, transmissão e arquivamento. Hoje o que acontece é exatamente o contrário: esses custos caem mais depressa do que podemos acompanhar.” Se não estamos gastando muito espaço nem dinheiro para guardar algo, acabamos não jogando fora - e gerando uma pilha de dados, que se torna inútil pelo seu próprio volume absurdo. Muitas pessoas têm informações armazenadas em CD, disquetes e no HD do computador que, se impressas, não caberiam em suas casas.

O Excesso de Informação na Mídia

Dispersão
O excesso de informações em forma de textos técnicos, análises, críticas, opiniões, interpretações superficiais, ao invés de embasar o conhecimento e auxiliar a tomada de decisão, acaba causando uma dispersão do conteúdo informacional que pode gerar conclusões mal fundamentadas e decisões equivocadas.
Supérfluo
Segundo o jornalista André Azevedo, o excesso de informação na mídia pode estar causando um relativismo absoluto nas concepções humanas ou um “sentimento de impotência, que costuma levar o indivíduo à apatia, ao conformismo, ao cinismo ou mesmo niilismo - pois a constelação de informações inviabiliza a hierarquia de valores do receptor, impossibilitando-o de avaliar o que é de fato fundamental e o que é supérfluo”.
Para Azevedo, “as futilidades circulam ao lado de grandes questões da humanidade com idênticos formatos, espaços editoriais e repercussão. A notícia importante desaparece, encolhida sob a multiplicação infinita de fofocas sobre celebridades, rusguinhas teatrais entre políticos, declarações oficiais, etc. O viciado em informação precisa saber tanto sobre a nova tecnologia de aparelhos de mp3 quanto o resultado do campeonato mundial de ping-pong, tanto sobre as oscilações da bolsa em Kuala Lumpur quanto à nova safra de desenhos animados do Cartoon Network, independente da necessidade real de saber tais coisas”.

Revistas
Diante deste cenário, as revistas segmentadas que souberem realizar o papel de coletar, selecionar e contextualizar a informação, dentro das necessidades de seu público-alvo, deverão ser as mais bem sucedidas nesta era do excesso de informação.

Ansiedade de Informação
Segundo Richard Wurman, autor do livro “Ansiedade de Informação”, este é o resultado da distância cada vez maior entre o que compreendemos e o que achamos que deveríamos compreender.
Com medo de ficar desatualizado e na busca de acompanhar as miríades de teorias preconizadas pelos “gurus” do conhecimento, muitas pessoas começam a desenvolver sentimentos de ansiedade e frustração, em conseqüência da incapacidade de absorverem toda a quantidade de informações que julgam necessárias.
Para a psiquiatria, a ansiedade surge em conseqüência da superestimulação que não pode ser descarregada por meio da ação. No caso da ansiedade de informação, ela pode resultar tanto do excesso como da carência de informação. O que conta para a gênese da ansiedade é como nos sentimos perante a informação ou a falta dela.
Há um círculo vicioso comum para todos aqueles que ficam ansiosos na busca de informações. Quanto mais informações obtêm, mais ficam sabendo da existência de novas fontes da mesma informação, gerando ainda mais ansiedade. É comum as pessoas se sentirem intimidadas e impotentes frente à quantidade enorme de informações existente à sua volta, e buscarem, portanto, mais e mais informações na vã tentativa de suprir suas inseguranças.
O problema é que tais sentimentos de impotência agravam os sintomas de ansiedade que, por sua vez, reduzem a capacidade de aprender, gerando mais ansiedade e fechando o círculo vicioso.
O mal-estar começa com a sensação de que tudo está acontecendo mais rápido do que se consegue assimilar. Executivos costumam ficar angustiados pensando que os outros estão obtendo mais informações, lendo mais livros, lendo os livros e revistas certos, utilizando softwares melhores, enquanto eles estão ficando para trás em suas carreiras.
Segundo Wurman, são várias as situações que costumam provocar ansiedade de informação: não compreender a informação; sentir-se assoberbado por seu volume; não saber se uma certa informação existe e; não saber onde encontrá-la.

O excesso de informação como elemento de dissociação cognitiva
Manter a capacidade de se concentrar e fixar a atenção, selecionando os estímulos e informações que interessam, tornaramse os grandes desafios desta era do conhecimento. A tentativa de apreender muitas informações ao mesmo tempo prejudica a capacidade de fixação mnemônica dessas informações e, conseqüentemente, a consolidação do aprendizado. A nossa capacidade de reter e consolidar estímulos e informações é limitada, mas nossa percepção não. Isso possibilita que a pessoa se ocupe com várias coisas ao mesmo tempo, mas com perda da capacidade de processar adequadamente o que está fazendo. Nossa percepção do mundo é simultânea, mas nossa ação é seqüencial; se a pessoa não estabelecer prioridades não conseguirá ter um bom desempenho. Não são apenas as informações provenientes de livros, revistas, jornais e dos websites que estão causando ansiedade e problemas. Os e-mails e os telefones celulares começam a entrar no rol dos elementos potencialmente nocivos ao bom desempenho cognitivo dos profissionais ansiosos. E-mails Os e-mails, que representam um marco sem precedentes na facilitação da comunicação humana à distância, estão se tornando um elemento que rouba muito tempo e gera ansiedade nos profissionais mais suscetíveis. Recentes pesquisas mostraram que um executivo norte-americano recebe, em média, de 35 a 120 e-mails diários, dependendo da função e tipo de atividade que exerce. Tomando como base 50 e-mails diários, pelos menos 35 deles são de informações inúteis, repetitivas ou não solicitadas (spams). Estima-se que o executivo gaste de 45 a 60 minutos de seu tempo diário com esse tipo de e-mail. Celular Já o telefone celular, importante elemento de facilitação da comunicação just-in-time, também tem se mostrado, nas mãos dos mais ansiosos, um causador de dissociação cognitiva. Conforme explica Renato Sabattini, neurocientista da Unicamp, quando toca o celular e a pessoa interrompe repetidamente uma tarefa que estava realizando, isso automaticamente inibe os circuitos cerebrais que estavam sendo formados para que a informação fosse decodificada. Ao iniciar outra atividade, como falar ao celular, o cérebro vai ter que formar um novo circuito. Esse vai-e-vem, que é muito desgastante, pode causar lapsos de memória e dificultar a absorção e o processamento das informações que estavam em curso. Deixar-se levar pela avalanche de informações é uma das fontes de danos ao cérebro. Mas não a única. Não concluir as tarefas começadas pode ser muito pior. Atualmente, o telefone celular passou a ser um dos principais elementos geradores de permanentes interrupções nas atividades dos executivos.

A Síndrome do Excesso de Informação
A Síndrome do Excesso de Informação ainda não é uma doença. Considerada isoladamente, ela faz parte dos componentes do stress associado ao trabalho. Mesmo assim, ela já começa a apresentar características próprias. Na medida em que a ansiedade no trato com a informação vai crescendo, o nível de stress vai subindo, com conseqüências mais graves para o nosso organismo. Começa com desordens do humor, com o aumento da irritabilidade e continua com a dificuldade para adormecer, distúrbios da memória até chegar a níveis elevados de stress e desenvolvimento de um comportamento neurótico. É importante ressaltar que a origem do problema está na incapacidade das pessoas em lidar com o excesso de informação e não, obrigatoriamente, na quantidade de informações. Profissionais, pressionados por chefes, gurus, consultores e outros mais, vivem tendo a sensação de que não se sentem capazes de assimilar todas as novidades em sua área, nem de lidar com todas as informações que recebem. O sentimento de obsolescência profissional é o que predomina. Não satisfeitos em curtir sozinhos suas angústias, muitos profissionais acabam passando essa ansiedade para seus filhos. Já estão se tornando comuns depoimentos como o do jovem Ricardo Zalem, de 15 anos, que freqüenta um colégio de ensino médio, estuda inglês e espanhol, pratica voleibol, faz academia e tem aulas semanais de informática e violão. “Eu só queria ter tempo para fazer mais coisas, queria que a semana tivesse 10 dias e que o dia tivesse 36 horas”, diz Ricardo, já candidato aos efeitos da síndrome. Processos de degeneração precoce da memória, que antes só apareciam em pessoas com mais de 50 anos, agora, passam a ser encontrados em pessoas com idade entre 20 a 40 anos. Especialistas do Grupo de Estudos em Linguagem da USP acreditam que tal fato se deva ao excesso de informações e estímulos que bombardeiam nosso cérebro diariamente. São informações cada vez mais rápidas, provenientes dos meios de comunicação, do telefone celular e, principalmente, da Internet. O problema acomete principalmente executivos e profissionais workaholics, que precisam estar sempre bem informados. Um dos principais sinais de início da síndrome é quando você começa a demorar muito para se "desligar" das atividades diárias mesmo quando está fora delas. Exemplo: em casa, no final de semana, na companhia da família ou diante da TV, você não consegue tirar da cabeça o relatório que faltou fazer, o livro que gostaria de ter lido no fim de semana e não leu ou aquele dado do gráfico da companhia que não ficou bem compreendido.

Tomada de Decisão
Outra seqüela do excesso de informação é a dificuldade na tomada de decisão. A imensa quantidade de informações disponíveis para tomar como base cada vez que precisa decidir sobre algo, faz com que o indivíduo sinta-se, cada vez mais inseguro na hora de tomar decisões. Ele fica com a sensação de que ainda poderia obter mais algumas informações que lhe dariam mais embasamento. Além de tudo, o tempo para reflexão vai ficando cada vez mais escasso, cedendo lugar para o tempo gasto na absorção de mais e mais informações.
Para Richard Wurman, a tomada de decisão vai se tornando mais crítica na medida em que aumenta o volume de informações, porque muitas pessoas encaram as decisões com apreensão, uma vez que elas implicam em eliminar possibilidades.
A tomada de decisão, por sua vez, está profundamente relacionada com a capacidade de realização prática ou efetiva de algo. Talvez seja por isso que o indeciso tenha baixa capacidade de realização. Deve advir desse fato o dito popular que fala que se você reunir cinco intelectuais em torno de um projeto prático, terá tantos “senões” e considerações que dificilmente conseguirá concretizá-lo.

Neologismos da Era do Excesso de Informação

Cybercondríacos É a versão digital dos hipocondríacos. São pessoas que pesquisam os sinais e sintomas de determinadas doenças na Internet e passam a acreditar que a possuem. O pior é quando pesquisam sobre o tratamento e passam a se automedicar.
Dataholics Termo criado pelo professor Sabbatini da Unicamp, que serve para designar as pessoas que são “viciadas em informação”. São pessoas que só se sentem seguras após lerem a mesma informação em quatro ou cinco fontes, para checar a veracidade da mesma.
Bulimia Informacional Termo que caracteriza a necessidade compulsiva pela coleta de informações, cada vez em maior quantidade, geralmente de forma pouco criteriosa. O bulímico informacional não se preocupa com a qualidade da informação da qual “se alimenta”, mas sente uma imperiosa necessidade de ficar sabendo de tudo o que se passa nas áreas em que atua.
Obesidade Informacional Resultado da bulimia informacional, nesse caso, a obesidade refere-se ao excesso de informação desnecessária ou pouco relevante, que ao se acumular, prejudica a efetivação do aprendizado relativo às informações que realmente seriam úteis ao indivíduo.

Lemos muito, mas aprendemos pouco
A busca, seleção e leitura de informações deve ser precedida pelo estabelecimento de objetivos bem definidos. Ou seja, antes de ler qualquer coisa você deve responder as seguintes perguntas:
- Por que eu estou lendo este texto?
- - Para que servirão estas informações?
- - Qual o significado dessas informações no meu contexto de vida ou profissional?
- - Como e com o que posso associar estas informações de forma a compreendê-las com mais profundidade?
- - Como posso dar aplicabilidade prática a estas informações?

No mínimo, as respostas a essas perguntas nos ajudariam a organizar nosso tempo e nosso processo de aprendizagem. Mas também poderá ajudar a dar a noção de sentido e prioridade ao que fazemos, de forma que, certamente, passaremos a rever a quantidade e a qualidade das informações que processamos.
A leitura de qualquer tipo de informação deve ser sucedida por um período de reflexão quanto ao significado do material lido. O processo de reflexão exige análise, associação, contextualização e síntese, de forma que ele pode proporcionar não só a criação de conhecimento original, como também auxilia o processo de fixação mnemônica do conteúdo.
Sem isso, teremos a sensação de estarmos “absorvendo” muito, mas na verdade, estaremos aprendendo pouco.

Cosmograma
O Cosmograma, técnica desenvolvida pelo pesquisador brasileiro Waldo Vieira, é um excelente instrumento de auxílio ao pesquisador, no que se refere ao trato com a informação.
Vieira define o Cosmograma da seguinte maneira: “O Cosmograma é a planilha técnica para determinação valorativa das realidades do universo através da associação máxima de idéias (visão de conjunto)”.
A utilização da técnica do Cosmograma proporciona ao pesquisador obter uma mega-síntese da realidade pesquisada, através do entrecruzamento de informações e análise minuciosa dos fatos. O Cosmograma permite:
- Compreender a interdisciplinaridade dos fatos cotidianos;
- - Ampliar a visão de conjunto dos fenômenos existenciais;
- - Aumentar a criatividade, obtida através da acumulação de achados (informações); somada ao processo de correlacioná-las sucessivamente (associação de idéias);
- - A identificação da essência por trás de fenômenos específicos.

Como Trabalhar o Excesso de Informação
- Admita para você mesmo que você será um eterno aprendiz. Nunca poderá nem precisará saber de tudo;
- - Lembre-se sempre que você não precisa saber tudo, mas somente como encontrar o que precisa. O mais importante, então, não é acumular informações, mas aprender a localizá-las e inseri-las em um contexto que faça sentido prático (aplicabilidade). Vale mais saber como localizar e selecionar as informações sobre determinado assunto do que tentar saber tudo sobre ele. Quando você realmente precisar deste conhecimento, você pode construí-lo com rapidez;
- - Aprenda profundamente como funcionam os princípios e métodos de organização das informações, para poder extrair delas valor e significado. Descubra como a estrutura da informação está organizada (num livro, numa revista, num jornal ou na Internet), isto é a chave para a correta busca e seleção da informação;
- - Compreenda que grande parte dos textos e sites na Internet dizem a mesma coisa com outras palavras;
- - Sempre estabeleça limites na busca de informações (cronológico e quantitativo); - Procure aprender os melhores critérios de seletividade. Não leia as informações provenientes de boas fontes. Leia apenas as de fontes excelentes. Priorização é a chave;
- - Procure associar sempre idéias e conceitos com fatos. Desta forma, a recuperação da informação será sempre mais fácil;
- - Ao invés de ler sempre todas as notícias e fatos que lhe interessam, recorte-os e guarde em uma pasta, separando-os por assunto. Quando uma pasta, sobre determinado assunto, tiver mais do que 50 recortes, leia-os todos de uma vez. Com isso você aprenderá a ter mais visão de conjunto, associar informações com mais facilidade, e então, você descobrirá o tempo que você perdia lendo a mesma coisa em vários lugares diferentes ou com outras palavras;
- - Também é importante saber quem são as pessoas-chave que poderão ajudá-lo a integrar e contextualizar as informações quando você precisar;
- - Procure concluir as tarefas que começou. Cada vez que você abandona uma atividade para fazer outra (pára de ler um email para atender ao telefone, por exemplo), o seu cérebro interrompe a construção de circuitos neuroniais necessários àquela atividade para iniciar outra. Isso promove o esquecimento da primeira tarefa e exige mais energia do cérebro.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Ibov 30/07

Resistência nos 68 mil e IFR sobrecomprado podem dar indícios de topo.